segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Brincar, uma linguagem universal

Um, dois, três e já! A brincadeira vai começar! É só olhar a expressão na carinha da criançada para descobrir que a hora da brincadeira é um dos momentos mais aguardados do dia. É a hora de deixar a imaginação fluir, a criatividade se desenvolver e os sonhos aflorarem. "Não importa se o brinquedo é a pipa ou a boneca, o vídeo game ou o cavalinho de pau. O importante é que a criança tenha espaço para se desenvolver e se conhecer. Essa é a verdadeira importância da brincadeira", explica Renata Meirelles, educadora e uma das fundadoras do Bira, projeto que estuda as brincadeiras infantis da região amazônica.


Indispensável na formação da criança, o ato de brincar é natural. Não é preciso mostrar como fazer, a brincadeira simplesmente acontece. E sempre foi assim. Pinturas rupestres e artefatos mostram que mesmo na pré-história as crianças já exploravam o mundo por meio de brincadeiras. Com materiais naturais elas fabricavam seus próprios brinquedos. "Não era preciso muito. Um pedaço de galho era suficiente para se tornar uma 'espada' e um pouco de barro se transformava em bonecos", conta Cristina Von, autora do livro A história dos brinquedos.

De acordo com a escritora, na China e no Egito antigo, a brincadeira evoluiu e surgiram brinquedos como o ioiô, a pipa e a bola de gude. Na Grécia e na Roma antiga, jogos individuais e coletivos foram criados, coincidindo com a realização das primeiras olimpíadas. Registros de marionetes e soldadinhos de chumbo vêm da Idade Média e, posteriormente, com o avanço tecnológico, brinquedos mais incrementados foram criados. "Daí o surgimento do patins, da bicicleta e, mais recentemente, dos videogames, que passaram a fazer parte das brincadeiras infantis", afirma Cristina.


Mas como explicar que crianças de diferentes partes do mundo e em diferentes épocas tenham em comum as mesmas brincadeiras? Uma pesquisa realizada no início do século XX pelo antropólogo teuto-americano Franz Boas mostra que brincar é uma linguagem universal. O estudo indica que diversas culturas que nunca tiveram a oportunidade de se encontrar e de trocar experiências possuíam brincadeiras iguais. Como fazer cama de gato, ou seja, brincar de entrelaçar um barbante ou algum tipo de corda formando diferentes desenhos. "Todos durante a infância bebem da mesma fonte, uma fonte mais profunda que a própria cultura. É uma relação insconsciente que o ser humano tem de se expressar e de interagir com o mundo nos primeiros anos de vida", explica Renata.


Brincar na cidade grande

A vida urbana impõe transformações na realidade do brincar. Diminuição dos espaços públicos de convivência, avenidas movimentadas, aumento da violência e a falta de tempo dos pais acompanharem seus filhos nas brincadeiras fazem com que cada vez menos crianças brinquem nas ruas. Essa realidade é comum principalmente nas grandes cidades. O resultado é o confinamento dos pequenos em casas e apartamentos, e o rareamento das brincadeiras coletivas tradicionais, que perdem cada vez mais espaço para os brinquedos industrializados.

Apesar de todas as restrições impostas pelo dia a dia da cidade grande, ainda existem pais que fazem questão que seus filhos aprendam a brincar como antigamente. Fernando Cardoso, 45 anos, é deles. Pai de Luan, 8 anos, e de Gabriela, 1 ano e 9 meses, ele faz questão de ensinar a seus filhos como subir em árvores, a arte de fazer e de empinar pipa. O seu envolvimento é tanto que, apesar de ser músico de formação, ele diz que sua outra profissão é ser um eterno brincante.

Cardoso conta que recentemente ministrou uma oficina de pipa no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. O músico ensinou durante quatro meses mais de mil crianças a fabricar o brinquedo e diz ter ficado impressionado pelo fato de a maioria nunca ter feito uma pipa.

"No meu tempo todo mundo sabia. Hoje eles ganham a pipa pronta. A grande questão é que nenhum brinquedo feito substitui a realização de uma criança ao fazer a sua própria pipa e empiná-la".

Lydia Hortélio, estudiosa do universo dos brinquedos desde a década de 1970, concorda com Cardoso. "O improviso na hora de criar o brinquedo é pura magia. É o meio que a criança expressa a poesia que tem dentro dela. Entregar um brinquedo pronto na mão de um pequeno é cercear o alcance que a brincadeira tem na formação da criatividade e da imaginação do ser".



fonte: Ana Paula Galli/Especial para o Yahoo! Brasil

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